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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Valores distorcidos

Dia desses, lendo uma entrevista com o secretário de segurança do Rio de Janeiro, delegado José Mariano Beltrame, chamou-me a atenção um dito por ele citado: “Quando morrer, serei obrigado a doar minhas córneas, pois precisarei de mais de uma vida para ver tudo”. Conhecia de uma forma um pouco diferente: “Vou morrer e não vou ver tudo”.

Independentemente do modo com que foi escrita, o significado e o objetivo da frase são bastante claros. Seriam necessárias várias encarnações para que pudéssemos ver todos os absurdos que acontecem diariamente.

E, como a leitura se enquadra num modo de “ver”, os absurdos que são escritos e publicados também merecem mais de uma vida para serem totalmente percebidos.

Refiro-me a um texto publicado numa revista de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, estado onde o grau de intelectualidade é seguidamente comemorado como um dos mais elevados do país.

O texto tenta fazer uma associação entre família e moda. Menciona o fato de que “estar” e “andar” entre os seus familiares é a bola da vez. Para isso basta ver o frisson que os astros de Hollywood causam na mídia ao circularem pelo planeta com as suas proles.

Até aí, um tanto compreensível. Porém, se pegarmos Brad Pitt e Angelina Jolie, por exemplo, que, por força da profissão pouco conseguem parar em casa, nada mais justo do que ter os filhos a acompanhá-los, não é?

E não seria esse um motivo para colocar a “instituição” família em voga.

Ou, antes dessa constatação não existia amor entre pais, irmãos, avós, primos? Não havia prazer em conviver com os seus e manifestar esse carinho?

Só quem nunca teve família.

Mas o pior está por vir.

Como mencionei a moda lá no início, a autora faz referência a um blog especializado em deixar a família toda com “looks super fashion”. E recomenda que esta se vista com apuro, pois isso é sinônimo de família “saudável”. Incrível constatação.

Até tenta argumentar que andar bem-vestido não é sinônimo de roupas caras e do momento, mas a frase que reproduzo abaixo, ipsis litteris, considero deveras infeliz:

“Andar bem vestido é sinônimo de saúde, de amor e de valores”.

Se assim fosse, os políticos corruptos seriam as melhores pessoas do país, tendo seus valores em mais alta conta.

Enquanto isso, aqueles miseráveis que estatisticamente vivem com míseros dólares diários, sabemos que não são saudáveis. Pudera, sem renda e com mínima ajuda do Estado, é difícil manter-se de pé.

Sabemos também que suas vestimentas geralmente condizem com o estado de seu bolso, quando o tem. Apesar de geralmente rotos e maltrapilhos, tenho certeza de que seus valores não são reduzidos. Muito pelo contrário. Geralmente são mais corretos e honestos do que aqueles que vestem o tênis com amortecedor, a camisa listrada e o boné do ídolo do futebol. Por aí, a premissa apontada já se esvai.

A não ser que os “valores” citados sejam os da conta bancária. Posso ter entendido mal, já que o texto está emoldurado por anúncios de lojas de roupas. Pode ser...

Chego à conclusão de que nem em épocas festivas como agora, as natalinas, o SER suplanta o TER. Infelizmente.

Pobre pode não ter saúde ou tê-la pouco. Mas amor e bons valores, isso tem. Ah, se tem.

Pobre é usar argumentos que pouco sustentam a arte de vender.

O comércio e quem nele trabalha não merecem.

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