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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Por outro lado...


Tiririca, por que não?

Vozes variadas e respeitáveis escandalizam-se com a candidatura, aparentemente já vitoriosa, de um palhaço à Câmara dos Deputados. Talvez valha a pena deter-se o crítico um instante para melhor analisar as razões dessa condenação, os méritos e deméritos da escolha, o estado atual da representação popular no Congresso Nacional. E identificar até que ponto a rejeição pode ser fruto de mero preconceito.

Trata-se de um profissional de burlantim, que arrosta a dura tarefa de fazer rir nestes tempos bicudos e mal-humorados. Ganha a vida com seu trabalho, provavelmente difícil e malpago. Se comparado a tantos que se consagraram na política sem haverem jamais exercido qualquer profissão ou ofício, o ator circense está em vantagem.

Não se tem maior conhecimento de sua formação, ilustração, grau de escolaridade. Mas, para exercer o seu ofício – e nele alcançar êxito – há de ter-se minimamente preparado, precisa ser um homem do seu tempo, estar informado do que à sua volta ocorre. O que – ai de nós! – não se pode dizer de muitos eleitos e reeleitos que por aí passeiam sua ignorância e dela até se orgulham.

O homem é um artista, o que faz supor sensibilidade, compreensão e sintonia com o mundo. E, o que é mais, sua arte é voltada para as crianças, que o adoram. Não pode ser tão mau alguém que tanto e tão intensamente se faz amar pelos pequenos. De resto, quando ele afaga um menino, pode-se crer que não o faz para conquistar os votos da família, mas em genuína manifestação de carinho e afeição.

Não é de supor-se que um palhaço seja homem sedento de riqueza ou obcecado por bens materiais. Fosse esse o seu interesse dominante, haveria provavelmente escolhido outra profissão, pois a dele por certo não é propícia ao enriquecimento. Nunca se ouviu falar de um palhaço miliardário. Sendo assim, não há de ser particularmente sensível à tentação dos mensalões, parcerias público-privadas informais e maracutaias outras.

Reza a lenda que o palhaço ri por fora chorando por dentro. Visto esse dado pelo seu ângulo mais simpático, indica uma grande aptidão para superar adversidades e mostrar boa cara, mesmo quando roído pela dor. Em visão mais cínica, dir-se-á que ele já está equipado com um traço de personalidade indispensável à atividade política: a hipocrisia.

Verdade é que Tiririca, eleito, careceria de representatividade, sabido que seus eleitores não teriam votado nele para que os representasse, e sim para expressar desilusão, protesto ou gaiatice. Mas, e daí? Poderia ser, no Congresso, a voz dos desencantados e descrentes. Ou, se nada mesmo representasse, apenas se igualaria a tantos outros, aos famosos "300 picaretas" que se servem do mandato para a exclusiva satisfação de interesses próprios.

Tudo ponderado, parece que, realmente, pior do que está não fica.

Por Adroaldo Furtado Fabrício, Jurista e advogado.
Fonte: ZH do dia 27/09/2010

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